quarta-feira, 6 de abril de 2011

R$ 34 milhões para contratar Vagner Love é uma loucura

Gatilho para loucuras
  • por Emerson Gonçalves |

    Esse filme é velho: o sujeito está mal financeiramente, devendo na praça, com dificuldades até para suprir necessidades básicas da família. De repente, é promovido e ganha um aumento no salário. Melhor ainda: já tem direito a um período de férias, vencido, e negocia a venda de 20 dos 30 dias para a empresa. No dia 5, ao bater o olho no seu saldo bancário quase desmaia de emoção: um monte (falso) de dinheiro. Um gatilho para disparar meia dúzia de dias bem vividos.

    Não se dá conta, ou não quer se dar conta, que parte do “monte” de dinheiro é o saldo do cheque especial, agora zerado, pois o banco já descontou o que era devido. Tampouco se dá conta, ou sequer se interessa em pensar a respeito, que há um outro monte, só que de dívidas e contas atrasadas. Paga uma aqui, outra acolá, dá uma caprichada na compra no mercado, devidamente paga com um “checão” para 60 dias – o salário novo pagará tudo – e leva até uma carninha de respeito para o churrasco de comemoração. Ao assinar o cheque, percebe que já tem um “monte” de cheques pré-datados, mas, que diabos, um homem precisa viver e comemorar e ser feliz e o salário novo vai cobrir esses cheques.

    Três meses depois, nosso feliz promovido, enriquecido com o novo salário e o dinheiro das férias, está de novo falido, tecnicamente. Mas não socialmente, não praticamente. Continua comprando o almoço de hoje com o salário de 60 ou 90 dias adiante, não querendo saber que esse almoço já custa muito mais caro por ter juros embutidos. Juros pindorâmicos, diga-se, os mais generosos do mundo… para quem os recebe.

    No mundo da bola e dos boleiros…

    Entre as leituras do final da madrugada, leio, estarrecido, na Folha e no UOL, a informação que Muricy Ramalho poderá ganhar 20 milhões de reais do Santos somente nesse ano. Ah, mas isso se ganhar o Paulista, o Brasileiro, a Libertadores e o Mundial. Que beleza… Tantos prêmios e mais um salário que vai ficar entre 600 e 700 mil reais , ainda segundo o site.

    No portal GloboEsporte, leio, estarrecido, que Vagner Love viajou para a Rússia com uma carta-proposta do Flamengo por seus direitos no valor de 15 milhões de euros, ou seja, pouco mais de 34 milhões de reais. Bom, um jogador que vale essa nota, deve ganhar salário condizente. Não será nenhum espanto se o seu custo, em quatro anos (duração de um contrato razoável para tal despesa e também a duração do novo contrato de TV) atingir a bagatela de uns 60 milhões de reais. Usando a velha aritmética, algo como, por baixo, 15 milhões de reais por ano. Por um só jogador.

    Dias atrás, o São Paulo fechou a contratação de Luis Fabiano por um total que, seguramente, passará dos 34 milhões nos 4 anos de duração de seu contrato, assim como o Corinthians trouxe Liedson por 14 milhões em dezoito meses. Em 2010, o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, então presidente do Palmeiras, trouxe Valdívia por 18 milhões de reais (com taxas e custos inclusos), fora salário, que atinge 6 milhões anuais, fora encargos sobre parte desse valor, e mais as luvas (que não foram baixas e são pagas mensalmente). Também trouxe Scolari por doze milhões anuais, praticamente, com os impostos pagos à parte devidamente acrescentados à soma dos salários. Sem contar o salário de Murtosa, ainda por cima.

    Tantos números sonoros e bonitos, tantos gestos audaciosos e visionários, só podem ter sido disparados graças ao gatilho das novas cotas de TV e a sempre presente imprudência dos cartolas (estou bem humorado hoje, vamos chamar de imprudência o que fazem os dirigentes, digo, cartolas). E, dessa forma, antes mesmo do dinheiro da TV chegar, já começou a ser gasto em larga escala.

    Na apresentação do balanço de 2010, o presidente santista disse que o ano só não foi melhor porque teve que pagar 18,8 milhões de juros sobre dívidas antigas. É bom deixar claro: de juros. Ou seja, dinheiro que significa, somente, custo financeiro, despesa sem retorno. A dívida corintiana cresceu, chegou a 122 milhões de reais, assim como devem ter crescido todas as demais, o que teremos claro no decorrer de maio, uma vez que os balanços ainda não foram publicados.

    Em 2010 o PIB cresceu a uma taxa de emergente de sucesso, isso, porém, depois de ter crescimento negativo em 2009. Ou seja, o espantoso índice de 7,5%, por si já bem abaixo dos índices chineses, que se repetem ano após ano, foi obtido a partir de um ano de crescimento negativo. Apesar disso, a euforia tomou conta de Pindorama de norte a sul e os clubes de futebol embarcaram nessa onda. Em 2011, os novos contratos de direitos de transmissão, somados ao adiantamento imediato de parte do valor, transformou e transtornou ainda mais as cabeças supostamente pensantes do futebol brasileiro. Ao invés de sanearem suas contas e suas casas, optaram por mais gastos, por mais problemas futuros, por mais um exercício de empurrar com a barriga e nada solucionar.

    Transtornado futebol brasileiro…

    Cada torcida irá xingar esse texto e justificar a loucura de seu time, que nunca será loucura e sempre será um ato ditado pela mais pura lógica.

    Nas justificativas, certamente estará presente a Copa e o tanto que ela irá valorizar o país e nosso futebol, a mesma Copa que eu pensava ser em 2014, mas fiquei sabendo que é amanhã, apesar de se pensar que é depois de amanhã, e que ministro de estado do atual governo disse ser hoje (e eu não comprei um só ingresso para nenhum jogo… ô vida…). Vale tudo para justificar despesas estratosféricas, para não dizer astronômicas.

    Dirão também os torcedores, repetindo os dirigentes, que os “projetos de marketing” ou os patrocinadores ou ambos, pagarão parte dos milionários salários. Insondáveis e misteriosos “projetos de marketing”…

    Enfim, o torcedor seguirá achando que seu clube fez o melhor negócio do mundo e que esse cronista, além de nada entender, não passa de um chato de galochas, falando em dívidas e contas a pagar, quando o que importa, realmente, é ganhar jogos e conquistar títulos.

    Pena que os credores não pensem da mesma forma.

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